20 de maio de 2020
Neste artigo de nosso expert guia fotográfico Julius Dadalti, saiba um fator que afeta dramaticamente a nitidez de uma fotografia e pode estar arruinando muitas de suas imagens de vida selvagem!
Bom, começo o texto lembrando-me de minhas viagens de fotografia de vida selvagem: ao Quênia, em 2018, à Namíbia, em 2017 ou ao Pantanal, em 2015. O que elas teriam em comum? O calor e o fato de fotografar praticamente o dia todo, desde a tão desejada luz dourada até o horário de luz ruim, com o sol a pino, aproveitando momentos de contrastes no deserto, paisagens na rodovia Transpantaneira ou acompanhando uma coalizão de guepardos espreitando manadas de antílopes.
Em uma tarde dessas, fotografando no Amboseli, um Parque Nacional ao sul do Quênia, famoso por seus elefantes e com uma vista incrível do Monte Kilimanjaro, eu usava uma lente 300mm f2.8, bem famosa por sua nitidez e rapidez de autofoco. Junto a ela, uma câmera que fazia dez fotos por segundo e acoplava dois extensores: 1.4x e outro de 2x. A combinação era excelente, pois havia três configurações ao meu dispor: a 300mm nua e crua, onde poderia abrir o diafragma até f/2.8; uma 420mm (a lente conectada ao extensor 1.4x) com uma abertura máxima em f/4 e a última; 600mm (300mm + 2x) podendo abrir o diafragma até f/5.6. Sabendo da pequenina perda de nitidez com o extensor 1.4x, ele se tornou praticamente continuação da minha lente. Quanto à última combinação, usava pouco, somente quando tinha bastante luz ou com o animal bem distante. Lá pelas três e trinta da tarde, encontrei algumas zebras e gnus. Havia estresse entre os animais e fiz dezenas de disparos das disputas entre os dominantes. Dia quente e luz não tão boa, não gostava dos resultados de nitidez. Meu autofoco perdia-se um pouco e não obtinha as imagens cravadas. Fotos bem “suaves”. Observei mais, retirei meu extensor e me aproximei. Estava agora com a 300mm montada em uma Canon 7dmkII, combinação explosiva para resultados de vida selvagem. E as fotos com problema de foco continuaram… concluí que não conseguiria excelente nitidez apesar dos movimentos fantásticos da fauna. Havia a tão temida distorção causada por ondas calor. E nesse caso, não há o que fazer também na pós-produção. É parar de fotografar ou procurar animais na sombra ou então, aproximar-se bastante, lembrando que essa última opção pode ser perigosa ou provocar estresse dos bichos.
É fundamental saber o que está acontecendo, pois viagens não são baratas (especialmente as de fotografia de vida selvagem), exigem planejamento árduo e é de extrema importância coletar imagens nítidas contando histórias do comportamento animal. Quando eu voltarei lá? Perguntas que martelam a mente. Daí o mergulho profundo em registrar tudo com muita técnica e cuidado adequados. A parte artística completa o fluxo de trabalho, mas insisto que o domínio de parâmetros técnicos são fundamentais para bons resultados. Tudo se encaixa!
Então vamos ao fenômeno… lembram das imagens de estradas quando viajamos em um dia quente e ensolarado? Ou cenas de grandes prêmios de Fórmula-1? Pois é disso que vamos tratar, isto é, das ondas de calor brilhando distantes de você.
Devido ao calor intenso, forma-se uma camada de ar quente junto ao solo. E esse ar é menos denso que o da camada situada imediatamente acima, mais frio. Com esse aquecimento, o ar no nível do solo ascende para o ar mais frio e enxergamos refrações de luz decorrentes das diferentes densidades de ar entre as camadas quente e fria. Ocorrem então, desvios das trajetórias de luz, distorcendo a imagem e afetando significativamente sua nitidez. E, fotografando através dessa luz refratada, temos imagens desfocadas, sem detalhes. Entretanto, esse fenômeno não está presente apenas em estradas. Em praticamente em todas áreas expostas ao sol, especialmente se há ausência de vento. Nos cenários que o fotógrafo de natureza e vida selvagem atua, há vários exemplos: desertos, dunas, campos abertos, savanas, estradas de terra e praias. Isso pode acontecer até mesmo na superfície da água, caso ela esteja mais quente que o ar.
Em 2019, liderando uma expedição fotográfica pelo Masai Mara, a mais famosa Reserva Nacional do Quênia e tema de inúmeros documentários da NatGeo, encontrei uma leoa espreitando alguns gnus. Resolvi aguardar por ali pois parecia que o ataque era iminente. Fiz as primeiras fotos e notei o “Haze” (neblina). É assim que muitos fotógrafos estrangeiros apelidam esse fenômeno. Sem agrado nenhum com as minhas fotos e com luz dura (era 1:30 da tarde), pensava… “não conseguirei fotos boas, não há como”. Conversei com o grupo, quando a leoa aproximou-se dos jeeps, usando-os como elemento de camuflagem ao gnu. Assim que a distância diminuiu, eu e o grupo conseguimos fotografar com nitidez e foco cravado, mas eram necessários apenas trinta metros de afastamento para acabar com os detalhes. A leoa contornou os carros, esgueirou-se e escondida na relva, avançou e atacou o gnu por trás. Cenas fortes a apenas 50 metros dos nossos landcruisers. Eu usava uma 500mm f/4 com uma câmera de sensor APS-C e já imaginava a perda de nitidez na fotos que viriam. E foi exatamente isso o que aconteceu. Clique nas imagens abaixo para ver detalhes em melhor resolução e legendados.
Ao usarmos teleobjetivas em um dia ensolarado fotografando na savana, por exemplo, a lente comprime opticamente essas ondas de calor causando imagens sem detalhes. A grosso modo, eu poderia dizer que há a formação de um túnel com o nosso alvo lá na saída e com vários “obstáculos” na frente. O nosso autofoco fica instável, um pouco perdido e isso não aplica-se somente as lentes mais longas, como a 400mm ou 500mm. Em qualquer distância focal pode ocorrer, porém mais perceptível acima de 100mm. Somando a isso, há mais degradação da imagem quando o animal está distante, ou seja, quanto mais longe o assunto, mais luz refratada fotografaremos.
Não há necessidade estar no verão e não precisa ser fundamentalmente um dia muito quente, isso pode acontecer no outono ou inverno também. Basta que haja diferença de temperatura entre o chão aquecido e o ar mais frio e elevado. Lembro disso quando fotografava guanacos, na Patagônia. Não há muito o que fazer quando estamos em campo, somente ter a exata noção do fenômeno. Caso contrário, culparemos nossas câmeras, lentes, tentaremos fazer limpezas ou ajustes e descartaremos extensores que não tem relação alguma com o que ocorreu. Portanto, ao fotografar em um dia ensolarado usando uma velocidade alta de obturador e estabilização da lente adequada, se os resultados não aparecerem tão bons quanto você desejava, provavelmente essa é a causa. Outro indício disso, é o autofoco perdido, sem cravar como de costume.
As únicas soluções são aproximar-se para diminuir o efeito da refração ou fotografar em uma área mais sombreada.
Outra situação onde esse fenômeno ocorre é quando fotografamos dentro ou perto de um veículo. Usamos essa técnica quando a proximidade com a vida selvagem não é permitida ou é muito perigosa. Safaris na África ou ursos no Canadá são exemplos do uso de veículos para conseguirmos as imagens.
Quando a temperatura externa é muito menor que a interna, podemos ter problemas ao fotografar: o ar quente sai pela janela e pode atrapalhar a nitidez. A solução neste caso é deixar a temperatura do carro bem similar a temperatura externa, com as janelas abaixadas e o sistema de aquecimento desligado. Mas isso pode trazer desconforto, não é? E quem disse que fotografar é fácil?
Quando há permissão, muitas pessoas saem dos carros para fotografar a vida selvagem. Teleobjetivas são pesadas, mas apoiá-las sobre o capô do veículo quente certamente trará problemas e as imagens ficarão degradadas. Toda a área frontal dos veículos deve ser evitada pois é ali que geralmente está o motor e as ondas de calor irradiarão, trazendo uma cortina de suspensão a frente da nossa lente.
Espero que este texto tenha ajudado a esclarecer dúvidas relativas ao tema perda de nitidez na fotografia de vida selvagem. Resolvi escrever sobre o assunto pois já tive muita imagem arruinada ou comprometida, causada por esse fenômeno. Não pensem que no início não deixei de culpar meus acessórios. Pensei em microajustes de foco, fiz testes com minhas lentes puras e depois acopladas com extensores, utilizei combinações diferentes de lentes e sensores, até ter a certeza de como isso atuava e atrapalhava o meu dia a dia. É muito frustrante monitorar um grande felino por horas e não conseguir bons registros no momento certo. Porém, ter ciência de como ocorre pode nos proporcionar saídas estratégicas para a obtenção de nossos registros. Um exemplo claro foi quando fotografei o antílope Órix, na Namíbia. Um animal magnífico, elegante e bem resistente. Apesar de não gostar dos períodos de luz dura, queria contar sobre o comportamento desse animal, fotografando-o em pleno calor e no coração do deserto. Busquei um exemplar refugiando-se do sol de 44 graus centígrados aos pés de uma pequenina árvore. Por conta dessa área sombreada, consegui minimizar o efeito da refração, mas com os outros animais que estavam sob sol a pino, houve muita degradação da imagem, resultando numa grande perda de nitidez nestas fotografias. Portanto, lembre-se que esta sombra foi, além de refrescante para animal, crucial para minha fotografia sobressair-se sobre o efeito de refração das ondas de calor.
Quando estou fotografando vida selvagem, torço que depois do lindo amanhecer e primeiras luzes, o céu fique um pouco encoberto. Isso permite uma diminuição do fenômeno em relação a dias mais ensolarados, além do que, com luz difusa durante o dia, as fotos ficam bem mais interessantes do que com sol a pino.
Vamos fotografar, pessoal! Quem não fotografa, apenas conta histórias! Abraços e até a próxima dica sobre fotografia de vida selvagem.
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